Celso Pereira de Sá (1996), sobre a explicação teórica das Representações Sociais, diz que
Ainda de acordo com Sá, Moscovici mostra que essa especifica ênfase funcional é justificada quando ele diz que o mais importante na representação social é que ela “produz e determina comportamentos, visto que define ao mesmo tempo a natureza dos estímulos que nos envolvem e nos provocam e a significação das respostas a lhes dar” (ibid.) (p. 43)Moscovici (1976), em uma de suas muitas “quase definições” das representações sociais enfatiza o caráter distintivo da dimensão funcional do fenômeno, argumentando que tanto a consideração da gênese social das representações quanto o fato de elas serem socialmente compartilhadas não seriam suficientes para distingui-las de outros sistemas de pensamento coletivo, como a ciência e a ideologia. O termo “representação social” deveria ser, portanto, reservado para aquela modalidade de conhecimento particular que tem por função [exclusiva] a elaboração de comportamentos e a comunicação entre indivíduos (p.26) no quadro da vida cotidiana (p.43).
Frequentemente o conhecimento científico é colocado em contraposição ao conhecimento popular, o chamado senso comum. Supõe-se que o conhecimento científico traz a verdade mais exata e, o do senso comum, a menos exata. Vale lembrar que é o conhecimento do senso comum que, na maioria das vezes, conduz os comportamentos. Segundo Moscovici (1978), o senso comum deve ser analisado como uma percepção da realidade social, ainda que sob a influência da tradição e dos estereótipos da linguagem. Ornellas(2010) diz que
Ou seja, é um olhar direcionado à leitura e compreensão dos símbolos presentes no cotidiano (ORNELLAS, 2010, p.15). A mesma autora ainda afirma que a teoria conta com a interligação entre cognição, afeto e ação na construção da representação e esta, como um processo mental, reveste-se de um sentido simbólico (2001, p. 34). Tal dito faz compreender que Representação Social e afetos se entrelaçam na medida em que o sujeito se constitui, a partir do que assimila e interpreta do seu cotidiano.A representação social é um conhecimento do senso comum e é formada em razão do cotidiano do sujeito. É uma abordagem que se encontra hoje no centro de um debate interdisciplinar, na medida em que se tenta nomear, fazer relações entre as construções simbólicas com a realidade social. (p. 15)
De acordo com Gama, Santos e Fofonca, numa releitura de Moscovici (1978) a representação social refere-se ao posicionamento e localização da consciência subjetiva nos espaços sociais, e visa conceituar as percepções dos sujeitos. Assim as representações de um objeto social passam por um encadeamento de fenômenos que interagem entre si e constroem uma idéia sobre eles. Foi nessa construção que Moscovici analisou os processos em que os sujeitos elaboraram explicações sobre questões sociais e a ligação que tais elaborações tem com o que é processado pelos meios de comunicação, pelos comportamentos e pela organização social. Ornellas diz que ao estudar o sujeito em processo de interação com outros sujeitos, a Representação Social
Assim, pela fala da autora, se percebe que as representações sociais são modelos de pensamento prático, cuja abordagem enfoca situações de interação social e a entrevista é uma delas, sendo ao mesmo tempo uma ferramenta para coleta de dados e um evento de (inter)ação dos sujeitos.... expressa uma espécie de saber prático de como os sujeitos sentem, assimilam, aprendem e interpretam o mundo, inseridos no seu cotidiano, sendo, portanto, produzidos coletivamente na prática da sociedade e no decorrer da comunicação entre os sujeitos. (2010, p.16)
No estudo da representação social deve-se proporcionar ao sujeito a fala e a mostra do seu discurso. A abordagem deve ser qualitativa, pois não se procura mensurar quantidades de pensamento, imagens ou objetos, mas a forma com que estes estruturam o sujeito, buscando essa percepção na apreensão do movimento social e no discurso, que configura também um sistema de interpretação da realidade.
Ser Professor: Bem Me Quer, Mal Me Quer
O exercício docente, na contemporaneidade, tem sido alvo de grandes discussões no que tange aos afetos que provoca no profissional e, consequentemente, em todo o ambiente escolar: a presentificação de bem estar ou de mal estar na escola, o que aqui metaforizei com o bem me quer, mal me quer. Não raro, no trabalho do professor, é possível presenciar e/ou vivenciar eventos que desencadeiam afetos prazerosos e desprazerosos que demonstram, seja de forma clara ou velada, que o mesmo profissional vive os dois lados da moeda, gozando em fases distintas o bem estar e o mal estar no ambiente em que atua. A díade professor–aluno é o grande cerne da questão: seria o aluno o principal motor para as sensações prazerosas ou desprazerosas que afetam o professor na escola? Ornellas (2010) nos diz que afeto na relação professor-aluno em sala de aula é fundante para o processo de aprender (p.14) e, promover e mediar aprendizagens é o objetivo do professor que, não raro, se vê frustrado nesse seu objetivo.O horizonte trazido pelo desenvolvimento deste tema é maior que o de perceber quais afetos se inscrevem no exercício do professor; vai além, na busca de perceber quais são os afetos predominantes nas escolas e qual a representação social da escola pública municipal para estes profissionais. Assim, é a partir da investigação sobre quais os afetos circulam dentro deste ambiente escolar que busco compreender qual a representação social que estes atores – professores – tem da escola pública neste início de década. Como afirma Ornellas nesta mesma obra, a escuta do que acontece na escola, nos enlaces feitos, desfeitos e refeitos na relação professor-aluno é marcante para que se perceba que a transferência de afetos entres os pares, neste ambiente, define e determina o clima afetivo ali existente (p.14).
Partimos do pressuposto que o ser humano vive em busca do prazer e do próprio bem estar. Segundo Freud,
O que leva, então, os sujeitos que fazem a escola acontecer a permanecerem em um clima desprazeroso, quando o natural seria buscar o bem estar, mesmo que matizado de mal-estar?...existe na mente uma forte tendência no sentido do princípio do prazer, embora essa tendência seja contrariada por certas outras forças ou circunstâncias, de maneira que o resultado talvez nem sempre se mostre em harmonia com a tendência no sentido do princípio do prazer (2006, p.19).
Sabe-se, como citou Alves e Aredes (2007), que o trabalho humano possui duplo caráter, sendo por um lado fonte de realização, satisfação e prazer, estruturando e conformando o processo de identidade dos sujeitos, podendo, por outro lado, se transformar em elemento patogênico, tornando-se nocivo à saúde. A grande questão a ser respondida é: qual é o lugar em que o professor da escola pública municipal de Salvador se coloca enquanto trabalhador da educação? Qual a idéia que este profissional tem da escola onde atua?
Como em todo trabalho humano, o ofício de professor é um investimento em que se busca retorno prazeroso, tantas vezes não obtido por alguns. O professor é, de fato, de muita complexidade, como disse Nóvoa (2001). Hoje, ele tem que lidar não só com alguns saberes, como era antes, mas também com a tecnologia e com a complexidade social, o que não existia no passado, gerando atualmente uma demanda de tempo e saberes não oportunizados a estes profissionais.
Penin e Martinez (2009) em sua pesquisa sobre a profissão docente afirmam que se escuta de professores relatos de angústias e frustrações, de dores e de sentimentos de impotência, nas dificuldades de relacionamento e nas tensões do dia a dia, provocando claramente o mal estar existente na escola, o que implica a construção de uma representação social do espaço escolar cada vez menos positiva.
Atualmente existem muitos pesquisadores dedicados a identificar os fatores que causam o bem estar e o mal estar no meio escolar, mais especificamente no professor. Outeiral e Cereser (2005), Ornellas (2005), Kupfer (2000), Penin e Martinez (2009), Neves de Jesus (1998), Picado (2009) e Marchesi (2008), dentre outros, trazem estudos sobre este tema ou relacionados. De acordo com Picado (2009), são diversas as perspectivas psicológicas em que o mal-estar docente é estudado, e vão desde o adoecimento psicológico (ansiedade), a discrepância entre o que gostaria de ser e o que realmente é enquanto profissional, até a gestão mal sucedida dos problemas que detecta na situação e os recursos que possui para lhes fazer frente; vê-se, de fato, que o estudo de tais fatores é imprescindível para a melhoria da qualidade da educação e para a definição do bem estar, ou mal estar, do professor e dos demais personagens que circulam pela escola.
Assim como Penin e Martinez, existem outros estudiosos que estão focando a questão do bem estar do professor, numa tentativa de enfatizar os aspectos positivos da profissão, trazendo à tona os indícios de afetos gratificantes e prazerosos na perspectiva de saber conviver com os afetos desprazerosos estabelecidos neste exercício. Não cabe permitir que indicadores negativos encubram aspectos que comprovam a existência de prazer na profissão, pois são exatamente estes aspectos positivos que estimulam a prática de qualidade; identificar os motores deste bem estar é de extrema relevância, pois ativá-los e promover seu exercício proporciona ao professor condições favoráveis à resolução de questões pessoais e profissionais, tornando-o um bom gestor de conflitos, inclusive dos seus, para que possa gozar de forma saudável os afetos ambivalentes suscitados na sua prática, descobrindo assim a dor e a delícia de ser professor.
Constata-se que poucas profissões no Brasil tem sido tão debatidas quanto a docente, especialmente o Ensino Fundamental. Cortizo investe numa pesquisa cujo objeto passa pela análise dos efeitos da escuta dada ao professor; negada esta escuta, a autora mostra que o
A mesma autora pesquisa a libido e a ausência desta no fazer pedagógico do professor. Lapo também investe na pesquisa do bem estar, e seu trabalho teve como principal objetivo identificar os fatores e compreender as dinâmicas que geram e mantém o bem estar docente, bem como reconhecer o que motiva o desencanto da profissão. Jesus (1998) apóia a sua obra na análise dos fatores principais que promovem a segurança e o prazer do professor no seu exercício profissional....professor acaba sintomatizando no corpo o que a fala não foi capaz de verbalizar, o que, em certa medida, se torna manifesto nas relações que tece com o aluno...” (2010, p. 203-204).
Pela quantidade de estudos atuais sobre a questão do mal estar do professor, consideramos necessário investigar se este sintoma é refletido em todo o ambiente escolar; percebemos como exigência analisar o oposto: o bem estar docente, que tanto é reflexo como pode também fazer reflexo para a comunidade escolar, tornando-a um espaço equilibrado nos seus afetos prazerosos e desprazerosos. É este circular por esta ambivalência de afetos que valida esta pesquisa, pois não raro o professor vive sentimentos opostos de prazer e desprazer no seu exercício, o que foi claramente constatado nas investigações, e que determina a representação social da escola para este profissional.
Segundo J.M. Esteve (1999, p. 25), o mal estar docente é como “os efeitos permanentes de caráter negativo que afetam a personalidade do professor como resultado das condições psicológicas em que se exerce a docência". Mais que isso, o mal estar na escola é um reflexo do mal estar do professor, que é uma resposta ao estresse, a insatisfação salarial, o absenteísmo que, em muitos casos, leva à depressão. A docência se constrói num continuum e envolve, além dos aspectos acadêmicos, as experiências pessoais de cada sujeito, suas representações e seus afetos. É um caminho mediado pela continuidade e pela descontinuidade das vivencias pessoais e profissionais.
De acordo com Picado (2009), o mal estar docente refere os sentimentos de desmoralização, de desmotivação ou de desencanto que emergem nos professores. Resta saber o que desencadeia estes indicadores.
Sabemos que normalmente as experiências negativas ocorridas na escola são amplamente divulgadas, corroborando para intensificação deste mal estar tão fortemente sentido e discutido. Já as experiências positivas... Os projetos que avançaram, os atos de boa vontade e as demonstrações de afetos prazerosos, estes ficam ocultos. E, nesse fazer pedagógico, Eros e Thanatos se enodam trazendo à tona afetos opostos que vão e vem, pendularmente, no mesmo sujeito, construindo a sensação de que tudo pode ser resolvido num despetalar de margaridas: bem me quer, mal me quer.
Nenhum comentário:
Postar um comentário